10 de dezembro de 2024
Cap PM Marco Aurélio Ramos de Carvalho
Vice-presidente da Diretoria Executiva da AMESP
Sob um olhar histórico, as mulheres, desde o início dos tempos têm deparado com preconceitos, discriminações e assédios, tanto na vida particular como também na profissional, tornando-se vulneráveis nesses aspectos.
Para melhor entender o assédio propriamente dito, necessário faz-se compreender antes o que é o sistema patriarcal, a misoginia, a própria cultura brasileira e, principalmente, no que concerne ao assédio sexual, a apropriação do corpo feminino como se fosse uma propriedade do homem.
No patriarcado, o sistema mantém todo o poder e liderança nas mãos dos homens, com todos os privilégios, tanto na parte econômica, política, social e na seara pública e privada, sendo a mulher submissa aos seus mandos e desmandos. No caso da misoginia, também existente na sociedade patriarcal, ela se manifesta através do ódio ao gênero feminino, quando este não se submete aos caprichos desejados pelo misógino. Ou seja, elas têm que, tão somente, exercer as atividades pertinentes ao seu gênero como cuidar do lar, do marido, dos filhos e, principalmente, ser submissa ao misógino.
Esse fenômeno teve maior repercussão no período da Inquisição no Brasil, do século XVI até o século XVIII, quando ocorreu a caça às bruxas, em que as mulheres eram condenadas à morte por se posicionarem contra os preceitos machistas do Santo Ofício, através de julgamentos parciais, sem direito a defesa, pelo Tribunal do Santo Ofício, sendo algumas delas queimadas vivas em praça pública para livrá-las de seus pecados e para servir de exemplos a outras mulheres que pretendessem buscar os seus direitos e a sua liberdade.
Normalmente o assediador tem perfil psicológico narcisista, razão pela qual não tem qualquer consideração pelo outro.
As maiores vítimas, em todos os casos, são as mulheres.
Na luta pela ascensão social, tanto na vida privada como na vida particular das mulheres, há dois aspectos de suma importância: para as mulheres brancas, na busca pelo lugar ao sol, elas têm os obstáculos quanto ao seu gênero, ao passo que, para as mulheres negras, elas enfrentam ainda os problemas relacionados aos estereótipos de raça.
Essa dificuldade maior da mulher negra resultou num “provérbio“, ou seja, uma mulher branca incomoda muito, mas uma mulher negra incomoda muito mais.
No que concerne à cultura brasileira, ela é totalmente enraizada no machismo, no jeitinho brasileiro e na violência contra a mulher nas músicas. A cultura do machismo podemos definir numa frase: “o homem não chora“, o que às vezes traz transtornos para ele próprio.
A cultura do “jeitinho brasileiro“ é quando se acha um jeito não convencional de minimizar o problema, principalmente no que concerne ao assédio, transformando-o em justificável e inofensivo, especialmente com a culpabilização da vítima.
Na cultura das músicas, várias são as que remetem à violência ou à sexualização contra a mulher, como a música Mulher Indigesta de Noel Rosa: “mas que mulher indigesta, indigesta, merece um tijolo na testa, merece um tijolo na testa, e quando se manifesta o que merece é entrar no açoite”, ou a música Faixa Amarela, do Zeca Pagodinho, que diz: “mas se ela vacilar vou dar um castigo nela, vou lhe dar uma banda de frente, quebrar cinco dentes e quatro costelas“, e, finalmente, uma música também antiga, quando ainda não se falava em feminicídio, cujo título já o mencionava: “Se te agarro com outro te mato“, cantada por Sidney Magal.
Observem que todas elas e outras mais existentes visam sempre a objetificação da mulher.
Podemos definir o assédio moral como sendo comportamentos estranhos no que diz respeito à relação do trabalho, o qual atenta contra a dignidade psíquica, sendo que o ato constrangedor praticado visa sempre causar danos morais na vítima. Pode ser por gesto, palavra, comportamento ou atitude, que ameaçam o emprego da pessoa ofendida, além de degradar o ambiente de trabalho. Ele se traduz também se o trabalhador é colocado em situações humilhantes prolongadas, através do exercício de uma hierarquia autoritária, visando sempre destruir a autoestima do trabalhador-vítima. Normalmente, o assediador tem um perfil psicológico narcisista, razão pela qual não tem qualquer consideração pelo assediado.
Citaremos agora alguns exemplos de assédio moral no trabalho: 1. Desaprovação velada do comportamento da vítima; 2. Críticas repetidas no que diz respeito à capacidade profissional da vítima; 3. Comunicações incorretas e incompletas de forma proposital; 4. Apropriação de ideias da vítima e as apresentando como suas; 5. Isolamento da vítima em confraternizações; 6. Boatos desairosos sobre a vida pessoal e profissional da vítima; 7. Sempre expor a vítima ao ridículo perante seus pares; 8. Quando confrontado por suas ações, alega que a vítima é paranoica; 9. aponta a vítima como criadora de caso e de indisciplinas.
Necessário destacar também que, de acordo com pesquisas e estatísticas realizadas, o assédio pode ocorrer contra qualquer pessoa, independente de gênero, porém na maioria dos casos as vítimas são mulheres.
Há vários tipos de assédio catalogados. No Brasil os mais comuns são: moral, sexual, virtual e o stalking.
Moral: é traduzido em ações que constrangem, humilham e discriminam o trabalhador através de palavras, gestos ou comportamentos, sempre visando ferir a dignidade da vítima. O assédio moral não é um fenômeno novo, ele sempre ocorreu mesmo antes das relações do trabalho, mas hoje é muito mais frequente e complexo. Maior ocorrência com mulheres.
Sexual: É o constrangimento com conotação sexual, sem o consentimento da vítima, buscando obter favores sexuais em razão da sua condição hierárquica superior. Esse tipo de assédio somente foi tipificado como crime em 2001, no artigo 216-A do Código Penal: “Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente de sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício do emprego, cargo ou função“. Atinge homens e mulheres, com superioridade na área feminina.
Virtual: Apesar de não ter ainda uma tipificação específica, o agente se aproveita do avanço tecnológico do mundo globalizado (Internet), para fazer, através do ciberespaco, objetivando tanto a conotação moral como a sexual, através de cantadas, comentários de cunho sexual e envio de fotos íntimas etc..
Stalking ou Cyberstalking: é uma forma de assédio com os mesmos modus operandi, através de meios eletrônicos ou, mais especificamente, pelas redes sociais como Facebook,WhatsApp e Instagram, entre outros, possuindo também conotação moral e sexual. Dentro deste amplo campo de comunicação eletrônica surge o que chamamos, dentro do assédio sexual, de “pornografia da vingança“, que é o vazamento de fotos íntimas comprometedoras, sem autorização, com os mesmo objetivos: humilhar, assediar ou punir.
O pesquisador Heinz Leymann definiu dois tipos de violência psicológica, fazendo distinções: se ela é praticada entre adultos, denomina-se mobbing; se for entre adolescentes, chamamos de bullying.
Continuarei na próxima edição.