23 de outubro de 2025
Como nós todos estamos acompanhando, os últimos acontecimentos políticos e decisões judiciárias no nosso país, desde o governo Bolsonaro, os dois primeiros institutos citados – Anistia e Indulto – voltaram a ser tema de discussão, tanto na esfera judicial como na esfera política, e também nos meios de comunicação, mas, principalmente, no seio de nossa população, especialmente após os fatos ocorridos no dia 8 de janeiro de 2023.
Em razão disso, vamos tratar nestes artigos das previsões legais dos institutos, tanto nas constituições como nas legislações penais, a competência para concedê-los e os seus efeitos, mas nos dedicaremos de forma mais particular ao instituto da Anistia.
A primeira Constituição, outorgada em 1824, durante o Império, não fazia qualquer menção expressa à Anistia, ficando todos os poderes na mão do Imperador.
A Constituição de 1891, a primeira republicana, atribuía expressamente ao Congresso Nacional a competência exclusiva para concedê-la, no seu Artigo 34, Inciso 27.
Na Constituição de 1934 nada foi mencionado com relação à Anistia.
A Carta Magna de 1937, outorgada durante o Estado Novo de Getúlio Vargas, atribuía exclusivamente à União o poder de conceder e legislar sobre a Anistia, conforme seus artigos 15, Inciso XI e 16, Inciso XXV.
Na Constituição de 1946, já refletindo um contexto de redemocratização, mas de forma dúbia, trazia em seu Art. 5º, Inciso XIV, a atribuição da União para a concessão da Anistia, ao passo que em seu Art. 66, Inciso V, conferia competência exclusiva ao Congresso Nacional para a sua concessão.
Concedia, ainda, anistia automática a insubmissos ou desertores, bem como a trabalhadores punidos em decorrência de greves ou dissídios, até a data de sua promulgação.
A Constituição de 1988 prevê de forma expressa a Anistia, fixando os seus limites materiais e procedimentais para a sua concessão.
Em seu Art. 5º, Inciso XLIII, ela proíbe a concessão dos três institutos para crimes inafiançáveis como tortura, tráfico de drogas, terrorismo e crimes hediondos.
O artigo 21, Inciso XVII, diz que cabe à União conceder a Anistia, ao passo que o artigo 48, Inciso VIII, preleciona que cabe ao Congresso Nacional legislar sobre o tema, com a sanção presidencial.
As várias nuances sobre o tema nas constituições brasileiras, como a sua própria ausência, traduziram sempre o contexto político que o país vivia, em cada época da outorga ou da promulgação.
A Anistia pode ser concedida antes do trânsito em julgado da sentença final (anistia própria) ou depois da condenação irrecorrível (anistia imprópria).
Ela pode ser geral, beneficiando todos os envolvidos nos fatos criminosos, ou parcial, excluindo aqueles que não preenchem os requisitos pessoais exigidos. Ela pode ser incondicional, quando não impõe qualquer restrição, ou condicionada, quando exige a aceitação de determinadas obrigações por parte do beneficiário.
Normalmente a Anistia é motivada por questões de ordem política e visa à paz social, excluindo o crime, rescindindo a condenação e extinguindo totalmente a punibilidade, pois ela se refere aos fatos e não às pessoas.
Concedida a anistia, ela não pode ser revogada por outra Lei, conforme preceitua o Art. 5º, Inciso XXXVI da Constituição Federal.
O Indulto também tem previsão constitucional, no artigo 84, Inciso XII da Constituição Federal, sendo um ato de clemência com as seguintes características:
Poder de concessão – É competência exclusiva do Presidente da República, através de um decreto, mas esta prerrogativa está subordinada à Constituição;
Natureza – Pode ser coletivo, destinado a um grupo específico de condenados que atendam aos requisitos do decreto presidencial, ou individual, nas mesmas condições;
Efeitos – ele extingue ou diminui a pena, mas não a condenação, restando os efeitos secundários;
Temporalidade – É anual e conhecido como indulto natalino, apesar de haver também o indulto humanitário em razão de saúde;
Procedimento judicial – Cabe ao Juiz das Execuções penais avaliar os requisitos e aplicar o benefício;
Exceções – Pessoas que lideram facções criminosas, ou submetidas a regimes disciplinares diferenciados, ou que praticaram crimes hediondos ou contra o Estado Democrático de Direito não poderão ser beneficiadas (Art. 5º, Inciso XLIII).
Em nossa legislação, o mais conhecido é o Indulto de Natal, cujos critérios são estabelecidos no próprio decreto e definidos pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, Ministério da Justiça e Lei de Execuções Penais.
Podemos citar também o Indulto Humanitário, concedido a pessoas com doenças graves e permanentes, comprovadas por laudos médicos e com requisitos específicos.
Para melhor esclarecimento sobre esse benefício, vamos citar um caso concreto e recente, que ocasionou muita discussão e debates jurídicos.
O deputado federal Daniel Silveira foi condenado a 8 anos e 9 meses de reclusão, segundo a decisão, em razão de manifestações contra o Estado Democrático de Direito.
O presidente Bolsonaro concedeu indulto individual ao mesmo, alegando que haveria comoção social por sua condenação, eis que “somente fez uso de sua liberdade de expressão“.
Esse decreto foi alvo de quatro ADPFs (Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental), apresentadas no STF pelos seguintes partidos: PDT, PSOL, Cidadania e Rede Sustentabilidade.
A ministra Rosa Weber votou no sentido de que o decreto foi uma concessão contrária às normas constitucionais, eis que baseada apenas em vínculos políticos entre os envolvidos, para atender a interesses meramente pessoais. O ministro Fux justificou a anulação do ato por entender que as ameaças proferidas pelo ex-deputado configurariam crime político contra o Estado Democrático de Direito, portanto não passível de indulto ou anistia. E o ato do presidente da República foi anulado.
A Graça é um benefício de natureza individual, também da competência do Presidente da República, podendo ser total ou parcial, mas com as mesmas ressalvas e consequências do indulto, ou seja, também submetida ao controle constitucional e quem pode ser beneficiado. Na realidade, ela é um indulto individual. Há alguns doutrinadores que entendem que ela nem mais existe.
Os três são previstos no Art. 107, Inciso II do Código Penal, como causa de extinção da punibilidade.
Na segunda parte, na próxima edição de “Clarinadas”, trataremos mais especificamente da anistia.



